01 outubroArtigo

A convicção pode ser seu obstáculo

Separei aqui três grandes motivos pelos quais o fato de ser bom em pensar e que podem te tornar ruim em repensar — um grande problema em um mundo digital e em rápida transformação.

Imagine ser um detetive famoso e vamos fingir que você está trabalhando em um caso importante, de uma importante obra de arte que foi roubada.

 

Digamos que você esteja bastante confiante de que o dono da pintura é culpado: ele foi o primeiro a ligar para a polícia, sim, é verdade, mas ao mesmo tempo ele sempre agiu de forma muito estranha quando lhe perguntaram sobre seu paradeiro durante o dia em que a pintura desapareceu, dando uma resposta meio confusa. Ao mesmo tempo você descobriu que ele aumentou o prêmio do seguro algumas semanas antes disso acontecer. Diante dessas evidências, você o considera o principal suspeito.

 

Imagine, no entanto, que depois de alguns dias, a equipe forense retorna a você com evidências de que as impressões digitais de outra pessoa foram encontradas na cena do crime, e que uma filmagem de câmera de vigilância foi encontrada mostrando um homem com um capuz entrando na casa à noite, enquanto ninguém está lá.

 

Me diga: o que você faz? Você continua investigando o proprietário por causa das evidências anteriores ou atualiza seus suspeitos com base nas novas evidências?

 

Bem, você definitivamente atualizará suas suspeitas diante das novas evidências (embora isso não signifique que o dono da pintura não seja culpado, pois ele poderia muito bem ter contratado alguém para roubá-la e obter o dinheiro do seguro). Até porque, se você não atualizasse seu pensamento, seria culpado de negligência como detetive. Certo?

 

A verdade é que a mesma coisa se aplica a muitas outras situações da vida e dos negócios.

 

A vida, os negócios e o mundo nos mostram novas evidências o tempo todo, mas não atualizamos nossas crenças diante dessas evidências e, muitas vezes, mantemos o bom e velho status quo.

 

Como Adam Grant disse em seu TED Talk, esse fenômeno é chamado de “comprometimento em um curso de ação perdedor”.

O que é isso?

 

A escalada do comprometimento, que foi descrita pela primeira vez por Barry M. Staw em seu artigo de 1976, “Joelho no fundo da lama: um estudo da escalada do comprometimento para um determinado curso de ação”, é um padrão de comportamento humano em que um indivíduo ou grupo enfrenta resultados cada vez mais negativos de uma decisão, ação ou investimento, no entanto, continua o comportamento em vez de alterar o curso.

 

Então vamos tentar entender por que somos vítimas desse compromisso de seguir no curso traçado. Bem, há uma série de razões, mas vou apontar para três que considero principais:

 

  1. Dependência da trajetória
  2. Custos irrecuperáveis
  3. Ego

 

Começando com a dependência da trajetória: ela explica o uso contínuo de um produto ou prática com base na preferência ou uso histórico. A dependência do caminho ocorre porque geralmente é mais fácil ou mais econômico continuar ao longo de um trajeto já definido do que criar um inteiramente novo. Definitivamente, é um fenômeno que nos torna péssimos em repensar, porque nos traz constantemente de volta ao passado em busca de soluções e respostas. Isso é muito perigoso!

 

Já no motivo custos irrecuperáveis, a falácia ocorre quando continuamos uma ação por causa de nossas decisões anteriores (tempo, dinheiro, recursos), em vez de uma escolha racional que maximizará nossa utilidade no momento presente.

 

Situações semelhantes acontecem o tempo todo em nossos negócios: gastamos tanto tempo, dinheiro e esforço construindo uma visão para o futuro, ou um plano de 5 anos, ou o orçamento anual, que o cumprimos mesmo quando as condições externas mudam — ou seja, do mercado, da economia, ou mesmo dos comportamentos dos clientes. Além disso, depois de gastar uma grande quantidade de recursos, um pensamento positivo se instala. Você espera reverter a situação investindo esforços e recursos extras. Embora essa seja uma lógica falha, a maioria dos profissionais não consegue reconhecer esse ponto cego.

 

É especialmente difícil quando a pele de alguém está no jogo. O artigo “Bias busters: saber quando encerrar um projeto”, da consultoria McKinsey, demonstra a falácia do custo irrecuperável que assola muitas organizações. Segundo ele, várias pesquisas indicaram o grau em que os líderes empresariais relutam em encerrar projetos. Um estudo desenvolvido pelo professor Luis Huete da Escola de Negócios do IESE descobriu que empresas e indivíduos que tiveram um histórico de sucesso têm mais dificuldade em matar projetos, porque carregam consigo a crença arraigada de que podem transformar tudo em ouro, desde que todo mundo trabalhe duro o suficiente.

E por que tudo isso é tão importante hoje?

 

Porque as condições externas estão mudando cada vez mais rápido devido à exponencialidade e, portanto, nos pedem para repensarmos com mais frequência do que apenas pensar. Antigamente, em um mundo analógico, o tempo que nossas decisões durariam era muito mais longo. Agora, logo depois de tomarmos uma, temos que tomar outra porque o ambiente externo mudou tão rápido que o impacto de nossa decisão anterior não é mais aplicável. Sob diferentes condições, coisas semelhantes podem ter interpretações e significados totalmente diferentes.

 

Mas o ponto alto aqui é nosso terceiro motivo, depois da dependência do caminho e dos custos irrecuperáveis, vamos finalmente chegar ao grande inimigo da boa liderança: o Ego.

 

Veja, muitos de nós preferimos o conforto da convicção ao desconforto da dúvida. Ouvimos opiniões que nos fazem sentir bem, em vez de ideias que nos fazem pensar muito. Vemos o desacordo como uma ameaça ao nosso ego, em vez de uma oportunidade de aprender. Nós nos cercamos de pessoas que concordam com nossas conclusões, quando deveríamos estar gravitando em torno daqueles que desafiam nosso processo de pensamento.

 

O resultado é que nossas crenças se tornam frágeis.

Inteligência não é cura, e pode até ser uma armadilha: quanto mais brilhantes somos, mais cegos às nossas próprias limitações podemos nos tornar.

 

Para o sucesso e perenidade no cenário atual é preciso assumir com coragem a humidade e se adaptar constantemente, aplicar o repensamento sempre.